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Diarreia e Vómitos em Pediatria

18 Dec 2025
Saúde
Vómitos
Diarreia

Definições e Etiologias Comuns por Faixa Etária

Diarreia: Define-se diarreia aguda geralmente como a passagem de 3 ou mais evacuações amolecidas ou líquidas em 24 horas, ou um aumento súbito na frequência e liquidez das fezes em relação ao padrão habitual da criança. É importante distinguir isso de fezes pastosas frequentes porém normais em bebês amamentados, que não caracterizam diarreia patológica. Diarreia aguda costuma durar menos de 14 dias; na maioria das crianças, cessa em até 1 semana (podendo prolongar-se até 2 semanas). Já diarreia persistente dura 14 dias ou mais, exigindo investigação de causas não infecciosas ou infecções prolongadas.

Vómito: Refere-se à ejecção vigorosa do conteúdo gástrico pela boca, geralmente precedido de náusea ou contrações abdominais. Deve-se diferenciá-lo de regurgitações ou “bolçar” em lactentes (eliminação passiva de pequenas quantidades após as mamadas). Vómitos repetitivos e de grande volume podem indicar doença orgânica. Atenção especial a vómitos biliosos (esverdeados) ou com sangue, que são sempre sinais de alerta de condições potencialmente graves (como obstrucção intestinal ou infecção).

Recém-nascidos (até 28 dias)
Em recém-nascidos, episódios de vómitos e/ou diarreia não são comuns e requerem avaliação cuidadosa. Nessa faixa etária, fatores protectores como aleitamento materno exclusivo, menor exposição a alimentos e imunidade passiva materna tornam gastroenterites menos frequentes. Entretanto, quando presentes, podem indicar infecções neonatais graves – por exemplo, infecção bacteriana sistêmica (sépsis) que cursa com distúrbios gastrointestinais, ou gastroenterite neonatal por patogénios como Escherichia coli enteropatogênica, rotavírus (pode causar surtos em berçários) ou norovírus. Diarreia em recém-nascido merece uma atenção especial: além de infecções, considerar causas não infecciosas, como alergia à proteína do leite de vaca (que pode causar colite com muco e sangue), erros inatos do metabolismo (que cursam com vómitos e má progressão ponderal), e causas cirúrgicas.
No recém-nascido com vómitos, é fundamental descartar obstruções gastrointestinais congênitas. Vómitos biliosos sugerem obstrução intestinal alta (ex.: má-rotação intestinal com volvo, atresia intestinal) e constituem emergência cirúrgica. Vómitos em jacto não biliosos em lactente de 2-6 semanas de vida sugerem estenose hipertrófica do piloro, a causa mais comum de vómitos verdadeiros em bebês jovens. Nessa condição, o lactente vomita de forma vigorosa imediatamente após as mamadas, permanece com fome (“vomitador faminto”) e pode evoluir com desidratação e perda de peso; o tratamento é cirúrgico. Outras causas a considerar em neonatos incluem refluxo gastroesofágico patológico (geralmente cursa com regurgitações pequenas, não volumosas), enterocolite necrosante em prematuros (diarreia com distensão abdominal e sinais sistêmicos), ileus meconial ou doença de Hirschsprung (podem cursar com distensão e vómitos, embora tipicamente causem obstipação). Qualquer recém-nascido com vómitos persistentes ou diarreia significativa deve ser avaliado prontamente devido ao alto risco de desidratação e doença de base grave.

Lactentes (29 dias – 2 anos)
Em lactentes e crianças pequenas (até 2 anos), gastroenterite aguda de etiologia viral é a causa mais comum de diarreia e vómitos. Antes da introdução da vacina do rotavírus, este era o principal agente associado a diarreia grave e desidratação nessa faixa etária, responsável por até 40% das hospitalizações por diarreia em <5 anos. Hoje, o rotavírus continua em circulação (sobretudo em não vacinados), ao lado do norovírus (causa importante de surtos comunitários), adenovírus entéricos e astrovírus, entre outros. As gastroenterites virais tipicamente iniciam com vómitos e evoluem para fezes líquidas em 12-24h, podendo cursar com febre baixa.

Além de vírus, os lactentes podem apresentar diarreia infecciosa por bactérias como Salmonella, Campylobacter, Shigella ou E. coli, embora estas sejam relativamente menos comuns em menores de 2 anos nos países desenvolvidos. Salmonella não tifoide pode ocorrer especialmente se houver exposição alimentar (ex.: ovo cru, derivados lácteos contaminados) ou contacto com répteis; em <6 meses, a salmonelose tem risco aumentado de bacteriemia, por isso merece atenção parrticular. E. coli enteropatogênica (EPEC) é uma causa importante de diarreia prolongada em lactentes nos trópicos e já causou surtos em berçários neonatais. Parasitas como Giardia lamblia são raros em menores de 2 anos, excepto em contextos de creche com saneamento precário.

Na diferenciação diagnóstica, considerar ainda causas extraintestinais: infecção do tracto urinário, otite média aguda e mesmo pneumonia podem manifestar-se nessa idade com vómitos, diarreia leve e febre. Vómitos de repetição sem diarreia podem sinalizar condições como intussuscepção (invaginação intestinal) – típica entre 6-18 meses, cursa com dor abdominal intermitente, vómitos (podem ser biliosos) e eventualmente fezes com sangue “geléia de groselha” – ou patologias do sistema nervoso central (ex.: hipertensão intracraniana, infecções do sistema nervoso central) se houver sinais neurológicos. Entretanto, a grande maioria dos casos nessa faixa etária será de gastroenterite aguda viral ou alimentar.

Pré-escolares (2 a 5 anos)
Em crianças de 2 a 5 anos, as gastroenterites virais continuam predominando (norovírus torna-se tão comum quanto rotavírus, especialmente após imunização generalizada contra rotavírus). No contexto de creches e pré-escolar, surtos de gastroenterite viral espalham-se rápidamente por contacto pessoa-pessoa. As manifestações costumam ser semelhantes às dos lactentes (vómitos iniciais seguidos de diarreia aquosa), mas crianças um pouco mais velhas conseguem indicar sintomas como dor abdominal difusa.

Infecções bacterianas tendem a ser um pouco mais frequentes conforme a criança cresce e tem maior exposição ambiental e dietas variadas. Shigella pode causar disenteria (diarreia com sangue e muco, febre alta e dor abdominal), devendo ser considerada em creches com más condições sanitárias ou em históricos de viagem. Campylobacter jejuni é adquirido via alimentos contaminados (ex.: carnes malcozidas, leite cru) e pode cursar com diarreia inflamatória febril. Escherichia coli produtora de toxina Shiga (E. coli O157:H7, associada a carne bovina mal passada) pode causar colite hemorrágica e sua importância reside no risco de síndroma hemolítico-urémico. Parasitas intestinais como Giardia e Cryptosporidium podem acometer pré-escolares, especialmente em ambientes com saneamento inadequado, causando diarreia aquosa prolongada.

Nessa faixa etária, apendicite aguda entra no diagnóstico diferencial de vómitos e dor abdominal, embora seja mais comum em escolares. Uma criança >2 anos com vómitos persistentes, dor inicialmente difusa que migra para quadrante inferior direito e defesa abdominal necessita avaliação para apendicite. Outras causas não infecciosas de vómitos/diarreia em pré-escolares incluem síndroma dos vómitos cíclicos (episódios repetitivos de vómitos sem causa aparente), doenças metabólicas ou endócrinas (p. ex., insuficiência adrenal, diabetes mellitus inicial com cetoacidose) - mas são bem menos comuns que as causas infecciosas.

Avaliação Clínica Inicial e Critérios de Gravidade
A avaliação inicial de uma criança com vómitos e/ou diarreia visa determinar a gravidade da doença e identificar sinais de alarme que indiquem necessidade de intervenções imediatas ou diagnósticos alternativos. Os pilares dessa avaliação incluem: estado de hidratação, sinais Vitais e Estado Geral, sinais de Alarme, alteração do nível de consciência, vómitos biliosos (verde escuro) ou com sangue, presença de sangue ou muco nas fezes (disenteria), dor abdominal intensa e localizada ou distensão abdominal marcada, sinais de irritação meníngea ou comprometimento neurológico.

A presença de qualquer um desses sinais de alarme deve precipitar encaminhamento urgente a um serviço de emergência pediátrica e investigação apropriada, em paralelo ao início de medidas de suporte (hidratação, antibióticos empíricos se sépsis etc.).

No contexto da avaliação, é útil inquirir sobre história clínica dirigida: número de episódios de diarreia e vómito nas últimas 24h (crianças com >5 evacuações diarreicas ou >2 vómitos em 24h têm maior risco de desidratação), aspecto das fezes (aquosas, com sangue), último diurese normal, ingesta hídrica e alimentar recente, contato com doentes similares (familiares com “virose”), viagens recentes ou ingestão de água/alimentos de risco, uso de antibióticos recentes (pensar em Clostridioides difficile se diarreia pós-antibiótico) e estado vacinal (vacina de rotavírus). Essa anamnese, aliada ao exame físico detalhado, orientará o passo seguinte da conduta.

Indicações para Exames Complementares
A decisão de solicitar exames complementares em casos de vómitos e diarreia pediátrica deve ser guiada pela apresentação clínica, gravidade e suspeita de diagnósticos diferenciais. Em geral, gastroenterites agudas leves a moderadas em crianças previamente saudáveis não requerem exames de rotina. No entanto, em determinadas situações, a investigação laboratorial e de imagem é indicada: exames de fezes (coproparasitológicos e culturas), coprocultura, pesquisa de vírus nas fezes, exame parasitológico de fezes (EPF), pesquisa de toxina de C. difficile, exames de sangue (ionograma e bioquímica, hemograma completo, gasometria venosa/arterial, cultura de sangue, outros testes específicos), exames de imagem (radiografia de abdomen em decúbito e ortostática, ecografia abdominal, tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM), radiografia de tórax)

Em resumo, crianças com doença leve (bem hidratadas, ativas, sem febre alta ou sangue nas fezes) geralmente não precisam de exames laboratoriais; a prioridade é a reposição hídrica oral. Crianças com sinais de alarme, desidratação moderada a grave, ou evolução atípica devem ser investigadas conforme descrito, em paralelo às medidas terapêuticas.

Conduta diagnóstica baseada na idade, estado clínico e gravidade
A abordagem diagnóstica varia conforme a idade do paciente, o estado clínico no momento da avaliação e a gravidade presumida do quadro. Em linhas gerais, quanto mais jovem a criança e mais graves os sintomas, mais agressiva deve ser a investigação e conduta, dado o risco maior de complicações.

Em lactentes a abordagem vai de expectante (suporte clínico) nos casos leves típicos, até intervenção agressiva e investigação ampla nos casos graves ou duvidosos. A idade <1 ano por si só é um fator de risco para evolução desfavorável, portanto deve-se ter limiar baixo para intervir e observar mais de perto.

De modo geral, crianças de 2 a 5 anos conseguem expressar sede e alguns sintomas, o que ajuda no manejo. A tendência é reservar exames complementares para os casos atípicos ou graves, seguindo o princípio da parcimônia diagnóstica nos casos claramente virais autolimitados. No entanto, a clínica sempre prevalece: qualquer deterioração do estado geral ou surgimento de alarmes requer reavaliação e possível ampliação da investigação, independentemente da idade.

Orientação Terapêutica
O tratamento da diarreia e vómitos em pediatria baseia-se em medidas de suporte (principalmente hidratação e nutrição) e em intervenções específicas em casos seleccionados. A grande maioria dos casos de gastroenterite aguda pode ser controlada com sucesso apenas com terapia de reidratação oral e cuidados dietéticos, reservando medicamentos para indicações precisas.

Medicamentos Sintomáticos e Outras Medidas em situações específicas e discutíveis: antieméticos, antidiarreicos, probióticos, antibióticos.

Critérios para Internamento hospitalar 
Decidir quando internar uma criança com vómitos e diarreia é crucial para a segurança do paciente. Os critérios de internamento baseiam-se na avaliação clínica de gravidade, na capacidade de hidratação oral e em fatores sociais. Situações que indicam necessidade de hospitalização ou encaminhamento urgente incluem: desidratação grave ou choque hipovolêmico, incapacidade de ingestão oral, diarreia profusa com risco de desidratação, presença de sinais de alarme graves (sangue, convulsões, alterações do comportamento, abdomen cirurgico), idade de risco, insucesso do tratamento no ambulatório, condições sociais/familiares inadequadas.

Em conclusão, internar quando em dúvida é uma boa máxima em pediatria. É preferível observar uma criança de risco no hospital por 12-24h do que arriscar deterioração domiciliar. Critérios claros – desidratação significativa, incapacidade de hidratação oral, sinais de alarme, idade muito jovem – ajudam na decisão, mas a experiência clínica e o julgamento sobre adesão familiar também pesam. Após internamento, os critérios de alta incluirão: criança bem hidratada, aceitando hidratação por via oral, sem vómitos significativos, família orientada e com acesso a retorno.

Abordagem Preventiva
Prevenir episódios de diarreia e vómitos em pediatria envolve estratégias de saúde pública e medidas individuais de cuidados com a criança. As recomendações preventivas baseiam-se em reduzir a exposição a agentes infecciosos, aumentar a resistência do hospedeiro e educação quanto a práticas higiênicas. Destacam-se: vacinação contra Rotavírus, aleitamento Materno Exclusivo por 6 meses, qualidade da Água e Saneamento, higiene Pessoal e Alimentar, ambiente limpo, manipulação adequada de fraldas e excreções,  isolamento doméstico temporário, educação dos cuidadores, suplementação de Zinco em áreas de risco.

A implementação dessas medidas tem demonstrado grande impacto. Por exemplo, estima-se que melhorias em água, higiene e saneamento podem prevenir até 2/3 das doenças diarreicas. Vacinação rotavírus, por sua vez, evita centenas de milhares de atendimentos e internamentos por ano globalmente. Portanto, a prevenção é um componente essencial na abordagem das doenças diarreicas infantis, complementando o controlo clínico e reduzindo a morbimortalidade associada.

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