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Asma Brônquica: Orientação Clínica Atual em Diagnóstico e Terapêutica

18 dez. 2025
Saúde

Definição e Epidemiologia
A asma brônquica é uma doença inflamatória crónica das vias aéreas, geralmente caracterizada por obstrução brônquica variável e reversível. Clinicamente define-se por sintomas respiratórios como pieira (sibilos), dispneia (falta de ar), opressão torácica e tosse, que variam em intensidade ao longo do tempo. Tipicamente, estes sintomas são intermitentes e agravados por fatores desencadeantes – p.ex. exercício físico, exposição a alergénios, mudanças climáticas ou infeções virais respiratórias. Os episódios de broncospasmo podem reverter espontaneamente ou com medicação broncodilatadora. Devido à natureza heterogénea da asma, reconhecem-se múltiplos fenótipos (p.ex. asma alérgica, não-alérgica, de início tardio, associada à obesidade, etc.), mas todos partilham a inflamação das vias aéreas e a hiper-reatividade brônquica subjacente.

A asma é um importante problema de saúde pública a nível global. Em Portugal, cerca de 7% da população é afetada pela asma, o que corresponde a aproximadamente 700 mil pessoas. Apesar dos avanços terapêuticos, o controlo da doença ainda está aquém do ideal: estima-se que apenas 57% dos asmáticos portugueses tenham a asma controlada, ficando 43% com controlo inadequado. Estes doentes mal controlados sofrem pior qualidade de vida e maior risco de agudizações (crises) asmáticas. Além disso, muitos não reconhecem a falta de controlo – estudos nacionais mostram que 88% dos asmáticos não controlados acham, erroneamente, que a sua asma está “controlada”. Esses dados salientam a necessidade de melhorar o diagnóstico, educação e adesão à terapêutica na prática clínica.

Patogénese e Fatores de Risco
Na asma ocorre uma inflamação crónica da mucosa brônquica, envolvendo células inflamatórias (eosinófilos, mastócitos, linfócitos T helper 2, entre outras) e mediadores que levam a edema, hipersecreção de muco e contração do músculo liso das vias aéreas. Esta inflamação provoca hiper-reatividade brônquica (broncospasmo excessivo a diversos estímulos) e remodelação das vias aéreas ao longo do tempo. Os fatores de risco para desenvolver asma incluem predisposição atópica (história pessoal/familiar de alergias), exposição ambiental a alergénios (ácaros do pó, pólenes, bolores, pêlos de animais), fumo de tabaco (ativo ou passivo, especialmente na infância), poluição atmosférica e infeções respiratórias frequentes na infância. A obesidade tem emergido como fator de risco e fenótipo particular de asma – indivíduos obesos apresentam inflamação sistémica que pode agravar a asma e reduzir a resposta aos medicamentos. Outras condições associadas incluem rinite alérgica (presente em grande parte dos asmáticos), sinusite crónica, DRGE (doença do refluxo gastroesofágico) e, em alguns casos, stress/ansiedade, que podem precipitar ou agravar sintomas. É importante identificar e controlar estes fatores e comorbilidades, pois o tratamento adequado de condições concomitantes como rinite, obesidade, refluxo e cessação tabágica faz parte da abordagem integral do asmático.

Diagnóstico da Asma
O diagnóstico de asma baseia-se em suspeita clínica confirmada por provas funcionais respiratórias. Deve suspeitar-se de asma perante sintomas respiratórios típicos (sibilos, tosse persistente, sensação de aperto no peito e dispneia) que variem ao longo do tempo e em intensidade, melhorem espontaneamente ou com broncodilatadores, e possam ser desencadeados por fatores como exercício, alergénios, ar frio ou infeções virais. Os sintomas costumam piorar à noite ou de madrugada e há muitas vezes história de atopia (eczema, rinite) ou asma em familiares próximos.

Na exame físico, a presença de sibilos difusos expiratórios suporta o diagnóstico, mas entre as crises o exame pode ser normal. Por isso, é fundamental confirmar objetivamente a variabilidade obstrutiva das vias aéreas. A prova de função respiratória de primeira linha é a espirometria com prova broncodilatadora: documenta-se obstrução brônquica (redução do VEF₁/CVF) e considera-se reversível se houver aumento do VEF₁ >12% e >200 mL 15 minutos após inalação de broncodilatador (em adultos/adolescentes); nas crianças, usa-se >12% do valor predito como critério. A demonstração de reversibilidade significativa confirma a natureza asmática da obstrução. Caso a espirometria inicial seja normal (situação possível fora das crises), pode-se repetir o exame quando o doente estiver sintomático ou realizar outros testes: medir a variabilidade do PFE (pico de fluxo expiratório) em casa, procurando oscilações diurnas >10-13%; ou proceder a um teste de provocação brônquica (metacolina, manitol ou exercício) para evidenciar hiper-reatividade (um teste positivo – broncoconstrição com doses baixas do provocador – apoia o diagnóstico de asma). Alternativamente, se a suspeita for alta, pode-se iniciar terapêutica inhalada e observar melhoria objetiva: por exemplo, uma melhoria clínica e funcional após 4-6 semanas de corticoterapia inalatória também corrobora o diagnóstico de asma.

Em crianças muito pequenas (<5 anos) a espirometria não é viável; o diagnóstico é principalmente clínico (história de sibilância recorrente, fatores de risco, exclusão de diagnósticos alternativos) e pode ser confirmado a posteriori pela resposta à terapêutica. Importa nestes casos afastar outras causas de sibilância infantil (como bronquiolite obliterante, malácia de vias aéreas, aspiração crónica nas doenças neurológicas, malformações congénitas, fibrose quística, etc.) conforme a apresentação clínica. Nos adultos, o diagnóstico diferencial inclui DPOC (principalmente em fumadores >40 anos; aqui a obstrução é menos reversível), insuficiência cardíaca (pode causar “asma cardíaca”), disfunção de cordas vocais, entre outros. Assim, uma avaliação clínica completa é necessária. Confirmar o diagnóstico antes de rotular alguém de asmático é crucial, pois tanto o sobrediagnóstico quanto o subdiagnóstico são comuns se não houver comprovação objetiva. Cada doente deve ter no seu processo clínico o registo dos dados que suportam o diagnóstico (sintomas típicos e prova funcional positiva), pois isso facilita o seguimento adequado.

Avaliação da Gravidade e do Controlo
Depois de diagnosticada a asma, deve avaliar-se a gravidade da doença e o nível de controlo atual. Historicamente, classificou-se a asma em intermitente, persistente ligeira, moderada ou grave com base na frequência de sintomas e função pulmonar. Atualmente dá-se mais ênfase à classificação pela intensidade de tratamento necessária para controlar a doença.  Se um paciente, sob tratamento ótimo, permanece não controlado, então considera-se que ele tem asma grave (e pode ser elegível a terapias avançadas). Já um paciente controlado apenas com dose baixa de inalador de corticoide tem asma leve. Este conceito de gravidade retrospectiva (baseada na resposta ao tratamento) orienta o encaminhamento para cuidados especializados quando necessário.

Tratamento Não Farmacológico e Medidas de Prevenção
O manuseamento ótimo da asma combina terapêutica farmacológica com medidas não farmacológicas e educação do paciente/família. Alguns pilares importantes: educação e parceria com o paciente, evicção de fatores desencadeantes, vacinações, actividade física e reabilitação, peso, metabolismo e nutrição, padrão alimentar anti-inflamatório, otimização da imunidade e prevenção de infeções, imunomoduladores e outras abordagens.

Tratamento Farmacológico por Degraus (Stepwise)
O manuseamento farmacológico da asma baseia-se em um esquema escalonado de tratamento (steps), adaptado conforme a gravidade/controlo do paciente. O objetivo é usar a menor intensidade de medicação necessária para manter a asma controlada, aumentando (“step-up”) ou reduzindo (“step-down”) conforme o paciente precise. As recomendações a seguir integram os consensos internacionais atuais (GINA 2022-2023) e as normas nacionais (DGS, Sociedade Portuguesa de Pneumologia), aplicáveis tanto a adultos quanto a crianças, com as devidas particularidades de idade.

Diretrizes e Normas Atuais (Portugal e Internacionais)
As recomendações refletem a integração das guidelines internacionais mais recentes e das normas nacionais para a abordagem da asma. A Global Initiative for Asthma (GINA) atualiza anualmente um relatório de estratégia global, que tem servido de base para muitas normas. As mudanças de paradigma dos últimos anos, como o fim da monoterapia com SABA e a introdução do ICS-formoterol on demand para asma leve, vieram dessas atualizações baseadas em evidência. O GINA enfatiza uma abordagem centrada no doente, com educação, plano escrito, e tratamento do componente inflamatório desde o início. Da mesma forma, a Direção-Geral da Saúde (DGS) de Portugal tem publicado Normas de Orientação Clínica sobre asma – por exemplo, a Norma DGS n.º 012/2018 estabeleceu o Processo Assistencial Integrado da Asma na Criança e no Adulto, revendo e substituindo normas anteriores. Nessas orientações nacionais sublinha-se: a necessidade de garantir formação dos profissionais de saúde em técnica inalatória, implementação de programas de acompanhamento regular, e adesão às melhores práticas na gestão da asma. A DGS reforça que os corticóides inalados são a pedra angular do tratamento de controlo e que é fundamental tratar comorbidades como rinite, obesidade, DRGE e evitar tabaco para sucesso terapêutico. Também há norma específica para ensino da técnica inalatória (Orientação 010/2017 DGS) dada a importância deste aspeto. A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e a Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica (SPAIC) costumam alinhar com o GINA e DGS, divulgando consensos e guias práticos para médicos (por ex., guias da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar também adaptaram as diretrizes GINA à realidade nacional).

Em resumo, tanto a nível internacional quanto nacional, as diretrizes atuais convergem para: diagnóstico confirmado por prova objetiva sempre que possível; avaliação contínua do controlo; uso de ICS precocemente para tratar a inflamação; abordagem personalizada considerando fenótipos (alérgico, eosinofílico) e comorbidades; educação do paciente (adesão, técnica, plano de ação); prevenção de infeções (vacinação) e uso judicioso de novas terapias (biológicos) nos casos graves. Seguir estas recomendações atualizadas permite-nos fornecer cuidados de excelência na consulta, com base nos conhecimentos mais recentes e evidência científica.

Conclusão
A abordagem contemporânea da asma brônquica – em pediatria e adultos – deve ser multidimensional, combinando conhecimentos de pneumologia, imunologia, infecciologia, metabolismo e nutrição para otimizar os resultados. Na consulta, isto traduz-se em:

  • Confirmação diagnóstica rigorosa e estratificação do grau de controlo;
  • Educação e medidas gerais (evicção de desencadeantes, melhoria do estilo de vida, controlo de peso, alimentação anti-inflamatória, vacinação e otimização da imunidade contra infeções);
  • Terapêutica farmacológica personalizada, seguindo os degraus recomendados – com corticoterapia inalada como base e broncodilatadores de alívio, ajustando conforme a resposta do paciente;
  • Reavaliação frequente da técnica inalatória, adesão e comorbidades, reforçando a parceria médico-doente no autocontrolo;
  • Escalonamento para terapias avançadas quando indicado, em consonância com guidelines internacionais (GINA) e nacionais (normas DGS) de referência. Implementando estas estratégias com o conhecimento mais atualizado, espera-se alcançar um excelente controlo da asma na maioria dos pacientes – reduzindo significativamente as crises, as hospitalizações e melhorando a qualidade de vida, ao mesmo tempo em que se fortalece o sistema imunitário do doente contra infeções (através de medidas preventivas e controle da inflamação crónica). Em suma, a orientação clínica deve ser integral e baseada na evidência, garantindo que cada pessoa com asma receba os cuidados ótimos e atualizados no seu seguimento em consulta.