Introdução
Alterações significativas do comportamento em adolescentes – especialmente agressividade excessiva e comportamentos de oposição/desafio – constituem um motivo frequente de preocupação clínica. Esses comportamentos disruptivos vão além da rebeldia típica da adolescência, causando prejuízo no funcionamento familiar, escolar e social do jovem. Em termos diagnósticos, inserem-se nas perturbações disruptivas do controlo dos impulsos e do comportamento, destacando-se a Perturbação Desafiante de Oposição (PDO) e a Perturbação do Comportamento (PC). A PDO caracteriza-se por um padrão persistente de comportamento negativista, desobediente e hostil dirigido a figuras de autoridade, presente em cerca de 3,3% da população pediátrica e frequentemente antecedendo evolutivamente a perturbação de comportamento mais grave. Já a PC envolve violações repetitivas e persistentes dos direitos alheios e de normas sociais apropriadas à idade (agressões físicas, destruição de propriedade, furtos, fugas, etc.), afectando aproximadamente 2–10% dos jovens. É crucial reconhecer esses quadros precocemente, dado o potencial impacto negativo a longo prazo e as oportunidades de intervenção preventiva.
Do ponto de vista etiológico, comportamentos agressivos e desafiantes resultam de múltiplos factores. Factores de risco conhecidos incluem características familiares e psicossociais: por exemplo, história parental de abuso de substâncias ou comportamento criminal, contexto de pobreza, exposição da criança/jovem a maus-tratos físicos/sexuais ou violência doméstica, instabilidade familiar (múltiplas alterações de cuidadores) e práticas educativas inadequadas (disciplina excessivamente severa ou atitude parental de rejeição). Características individuais, como menor capacidade cognitiva ou dificuldades de autorregulação emocional, também contribuem para a génese destes comportamentos. Dada a natureza multifatorial, a abordagem clínica deve ser abrangente, envolvendo uma avaliação cuidadosa do jovem no seu meio familiar, escolar e comunitário.
Importa ainda distinguir o comportamento opositor ou agressivo patológico daquele comportamento desafiador normativo na adolescência. Na prática, sinais de alerta incluem a frequência, intensidade e persistência desses comportamentos (e.g., acessos de raiva muito frequentes, agressões físicas reiteradas, violação consistente de regras importantes), bem como o grau de prejuízo causado (rendimento escolar em queda, conflitos familiares graves, problemas legais, etc.). Sempre que o padrão de comportamento exceda claramente o esperado para a idade/desenvolvimento do adolescente, causando disfuncionalidade ou sofrimento significativo, deve-se proceder a uma avaliação clínica estruturada para confirmar um diagnóstico e planear a intervenção.
Avaliação e Diagnóstico
A avaliação clínica de um adolescente com comportamentos agressivos e de oposição deve ser minuciosa e multidimensional. Inicialmente, colhe-se uma história clínica detalhada, envolvendo não só o jovem mas também os pais/cuidadores e, se possível, a escola (professores, psicólogos escolares), para caracterizar a natureza dos comportamentos problema. É fundamental identificar quando e em que contextos ocorrem episódios de agressividade ou desafio, quais os gatilhos ou factores precipitantes relatados, e quais as estratégias disciplinares já tentadas pelos cuidadores. Deve-se averiguar a presença de stressores psicossociais recentes (por ex., conflitos familiares, bullying escolar, luto, mudanças significativas) que possam estar a contribuir. Instrumentos padronizados de rastreio comportamental, como questionários preenchidos por pais e professores (por ex., Child Behavior Checklist, Strengths and Difficulties Questionnaire ou escalas como o Vanderbilt, que inclui itens de oposição e comportamento antissocial), podem auxiliar na quantificação dos sintomas e na identificação de comorbilidades.
No processo diagnóstico, é importante determinar que perturbação específica melhor enquadra o quadro do jovem:
Perturbação Desafiante de Oposição (PDO)
Caracteriza-se por um padrão pelo menos semianual de humor irritável e comportamento argumentativo/ desafiante, dirigido principalmente a figuras de autoridade. O jovem com PDO frequentemente perde a calma com facilidade, desafia ou recusa ativamente cumprir regras, irrita deliberadamente as pessoas e tende a culpá-las pelos seus erros. Há tipicamente um componente emocional evidente (raiva, ressentimento) por detrás do comportamento opositor. Esses sintomas excedem em gravidade e frequência os observados em pares da mesma faixa etária. Importa salientar que na PDO não se verificam actos graves de agressão ou violação dos direitos alheios – trata-se sobretudo de um padrão de desobediência e desafio, sem condutas delinquentes marcadas.
Perturbação do Comportamento (PC)
Aplica-se quando o adolescente apresenta um padrão persistente e repetitivo de comportamentos que violam direitos básicos de outras pessoas ou normas sociais importantes, ao longo de pelo menos 1 ano. Exemplos incluem agressões físicas sérias (bulllying violento, lutas corporais frequentes, uso de armas), crueldade com pessoas ou animais, destruição deliberada de propriedade, furtos e actos de vandalismo, fugas de casa, absentismo escolar crónico, entre outros. Muitas vezes há também comportamentos de risco como consumo de substâncias ilícitas e atividade ilegal, sobretudo em adolescentes mais velhos. A PC pode ser vista como um quadro mais grave, podendo ser precedida por uma PDO em idades mais precoces. Nas classificações atuais (DSM-5), deve-se ainda especificar se há traços emocionais pró-sociais limitados – tais como ausência de remorsos ou empatia –, pois a sua presença indica um subtipo mais severo, com pior prognóstico e que pode requerer intervenções especializadas.
Ao avaliar, é igualmente necessário considerar diagnósticos diferenciais e comorbilidades comuns:
Transtorno de Hiperatividade/Défice de Atenção (PHDA/ADHD)
Frequentemente coexiste com comportamentos opositores. Impulsividade e desatenção não tratados podem intensificar a agressividade reativa. Estudos indicam que cerca de 16–20% dos jovens com perturbação de comportamento têm PHDA como uma comorbilidade. Portanto, deve-se aplicar critérios diagnósticos de PHDA durante a avaliação; se confirmado, o tratamento do PHDA pode reduzir significativamente os comportamentos disruptivos associados.
Perturbação do Humor Disruptivo (PMD/DMDD)
Introduzida nos critérios DSM-5, caracteriza-se por irritabilidade crónica e explosões de raiva desproporcionadas. Na PMD o jovem exibe surtos de temperamento graves e frequentes, contudo a base do problema é um humor persistentemente irritável, e não tanto a intenção deliberada de quebrar regras ou afrontar autoridade. Deve distinguir-se de PDO/PC: no DMDD as explosões coléricas ocorrem sobretudo no contexto de um transtorno de humor, enquanto na PDO/PC o padrão central é comportamental (desafio ou violação de normas).
Perturbações do Espectro Depressivo ou Bipolar
A depressão em adolescentes pode manifestar-se predominantemente por irritabilidade e agressividade, mas tipicamente observam-se também sintomas afectivos (humor depressivo, anedonia, alterações de sono/apetite, ideação suicida) que não se explicam apenas por uma perturbação de comportamento. Episódios maníacos (no espectro bipolar) podem cursar com condutas desinibidas ou agressivas, porém estão associados a elacção de humor ou irritabilidade extrema, grandiosidade e outras características próprias das fases maníacas. É importante descartar que comportamentos agressivos sejam secundários a um transtorno do humor primário, pois nesse caso o plano terapêutico deverá centrar-se no controlo do humor subjacente.
Perturbações do Neurodesenvolvimento
Nomeadamente a Perturbação do Espectro do Autismo ou Dificuldades Intelectuais podem apresentar comportamentos disruptivos (agressividade, birras) quando a frustração atinge um limiar, muitas vezes por dificuldade de comunicação ou sobrecarga sensorial. Nessas condições, os comportamentos desafiantes tendem a ser reactivos a stress e não intencionais de violar normas. Avaliar habilidades de comunicação, interacção social e desenvolvimento cognitivo é relevante para identificar estas condições.
Perturbação Explosiva Intermitente
Caracterizada por episódios discretos de agressividade impulsiva e desproporcional, em indivíduos que fora desses episódios têm funcionamento relativamente normal. Diferencia-se da PC por não haver um padrão persistente de comportamento premeditado ou violador entre os episódios; a agressividade surge de forma episódica, sem ganho secundário claro e acompanhada de remorso posterior. É um diagnóstico a considerar se o adolescente mostra acessos explosivos de fúria sem motivo aparente, mas comportamento adequado no restante tempo.
Outros
Avaliar o uso de substâncias (álcool, drogas) é obrigatório, pois estas podem exacerbar impulsividade e agressividade ou mesmo ser a causa de algumas infracções (furtos para sustentar o uso, por exemplo). Também factores situacionais como bullying sofrido ou pertencer a grupos delinquentes devem ser identificados, já que podem explicar comportamentos agressivos reactivos ou por pressão de pares.
Durante a avaliação, é imperativo identificar comorbilidades porque estas são a regra e não a exceção. Além do PHDA já referido, a ansiedade e a depressão podem coexistir (o adolescente agressivo pode, por detrás da fachada, estar deprimido ou ansioso, e canalizar isso em irritabilidade). Transtornos do comportamento alimentar ou ideação suicida podem estar presentes em alguns casos mais complexos e não devem ser esquecidos na anamnese.
Por fim, uma componente essencial da avaliação é compreender o contexto psicossocial do jovem. Deve-se explorar o estilo educativo dos cuidadores (ex.: existem limites e rotinas claros em casa? Há uso de disciplina inconsistente ou punições físicas severas?), a dinâmica familiar (conflitos parentais, presença de violência doméstica), e a situação escolar (desempenho académico, conflitos com professores ou colegas). Jovens com perturbações de comportamento muitas vezes interpretam erroneamente as ações alheias como hostis, têm baixa tolerância à frustração e dificuldades em considerar as consequências dos seus actos. Compreender essas distorções cognitivas e a eventual presença de stressores externos (por ex., abuso, negligência, bullying) orientará tanto o diagnóstico quanto o plano terapêutico, além de alertar para situações de risco que exijam protecção (no caso de suspeita de maus tratos, o clínico deverá acionar os mecanismos legais de protecção da criança/jovem).
Orientação Terapêutica
A intervenção face a comportamentos agressivos e de oposição na adolescência deve ser multimodal e individualizada, combinando abordagens psicossociais (primeira linha) e, quando indicado, tratamento farmacológico adjuvante. As directrizes internacionais enfatizam que as intervenções psicossociais e comportamentais constituem o tratamento de escolha inicial, não devendo a medicação ser utilizada de forma rotineira para controlar esses comportamentos. A seguir, delineiam-se os principais pilares terapêuticos:
Intervenções Psicossociais e Psicoterapêuticas
Psicoeducação e Treino Parental:
Uma componente fundamental da abordagem é trabalhar com os pais/cuidadores, ensinando estratégias eficazes de gestão comportamental. Muitas vezes, a família encontra-se desgastada e sem ferramentas adequadas para lidar com o adolescente desafiante. Programas de treino de pais baseados em evidências (individuais ou em grupo) ajudam os cuidadores a implementar técnicas de disciplina consistente, reforço positivo de comportamentos adequados e estabelecimento de limites claros e previsíveis. Orienta-se os pais a evitarem escaladas de confronto – mantendo a calma e firmeza diante da provocação – e a aplicar consequências proporcionais e imediatas aos comportamentos inadequados, ao mesmo tempo em que recompensam comportamentos pró-sociais e cooperativos. Por exemplo, pode-se treinar os pais em habilidades de reforço positivo (elogiar ou premiar comportamentos desejáveis) e time-out (retirada estratégica de atenção diante de comportamentos agressivos menores), entre outras técnicas comportamentais clássicas. Há evidência robusta de que intervenções parentais precoces produzem melhorias significativas nos problemas de oposição em crianças – e embora os adolescentes apresentem desafios adicionais, manter os pais envolvidos no tratamento continua a ser benéfico. Na consulta, o médico pediatra ou pedopsiquiatra pode fornecer psicoeducação aos pais sobre desenvolvimento adolescente e gestão do comportamento, recomendando também literatura orientativa ou encaminhando para programas estruturados de parentalidade positiva disponíveis na comunidade.
Psicoterapia Cognitivo-Comportamental (individual/grupo)
Para o próprio adolescente, intervenções psicoterapêuticas focadas em modificar pensamentos distorcidos e treinar novas habilidades são bastante úteis. A terapia cognitivo-comportamental (TCC) pode ajudar o jovem a reconhecer gatilhos de sua agressividade, a gerir a raiva de forma mais adaptativa e a melhorar competências de resolução de problemas interpessoais. Programas específicos de TCC em grupo para jovens com problemas de agressividade têm mostrado eficácia – por exemplo, o programa Coping Power (derivado do programa de Anger Coping), voltado para pré-adolescentes/adolescentes, combina sessões com os jovens (treino de autocontrolo, competências sociais e académicas) e sessões com os pais. Coping Power e intervenções similares visam melhorar o autocontrolo emocional e quebrar ciclos disfuncionais de ação-reação (por ex., o jovem aprende a identificar quando está a “ficar quente” de raiva e a utilizar técnicas de relaxamento ou saída de cena em vez de agir agressivamente). Em consulta, se o clínico tiver formação em TCC, pode iniciar o treino de algumas dessas técnicas; alternativamente, deve encaminhar o adolescente para um psicólogo clínico de confiança, experiente em problemas comportamentais, para conduzir a psicoterapia.
Intervenção Familiar Sistémica
Dado que frequentemente os problemas de comportamento estão imersos em dinâmicas familiares conflituosas, abordagens de terapia familiar podem ser necessárias. Terapia Familiar Funcional (FFT) e Terapia Multidimensional da Família são exemplos de modalidades estruturadas que demonstraram reduzir comportamentos delinquentes, ao melhorar a comunicação familiar, reforçar a coesão e treinar práticas parentais eficazes. O foco é alterar padrões familiares disfuncionais que possam estar a perpetuar a agressividade do jovem – por exemplo, ciclos coercivos de interação pai-filho – e restaurar vínculos positivos. Em contexto de consulta, o pedopsiquiatra pode ele próprio conduzir sessões familiares ou trabalhar em colaboração com terapeutas familiares.
Abordagens Multissistémicas e Intervenção Escolar/Social
Nos casos mais graves (por ex., adolescentes com PC que apresentam comportamentos violentos sérios ou envolvimento em criminalidade), as intervenções precisam de ser ampliadas para além do núcleo familiar. A Terapia Multissistémica (MST) é um modelo intensivo que actua em vários contextos de vida do jovem – família, escola, comunidade – através de uma equipa multidisciplinar, com visitas domiciliares frequentes e envolvimento de serviços sociais e judiciais conforme necessário. Evidências mostram que a MST pode diminuir taxas de reincidência criminal e de institucionalização em jovens com condutas sériamente anti-sociais. Embora a MST em si escape à realidade de uma consulta (por se tratar de um programa comunitário intensivo), o clínico deve conhecer a sua disponibilidade local para referenciar casos apropriados. Em paralelo, colaborar com a escola é crucial: acordar com os professores um plano de intervenção comportamental no ambiente escolar (p.ex., reforço de comportamentos positivos na sala de aula, estratégias de desescalada de conflitos, eventual apoio do psicólogo escolar). Programas escolares de promoção de competências socioemocionais (como o Programa de Competências de Vida ou Second Step, direcionados a reduzir impulsividade e agressividade em contexto escolar) podem ser integrados se disponíveis. Mentoria ou envolvimento do adolescente em atividades estruturadas (esportivas, artísticas, voluntariado) com supervisão de adultos positivos também são encorajados – essas atividades oferecem alternativas construtivas à violência e fomentam autoestima e sentido de pertença. Em suma, uma intervenção eficaz deve incluir e articular todos os agentes no ecossistema do jovem: o próprio adolescente, os pais, a escola e a comunidade. Essa abordagem integrativa maximiza a probabilidade de sucesso, evitando mensagens contraditórias entre casa e escola e abordando factores de risco contextuais.
Durante toda a intervenção psicossocial, alguns objetivos terapêuticos devem guiar o clínico:
- promover a empatia e a capacidade de perspectivar o outro (contrapor a tendência do jovem agressivo de interpretar intenções alheias como hostis);
- ensinar técnicas de autorregulação emocional (como treino de relaxamento, “pausa” quando irritado, identificar sinais fisiológicos de raiva) para aumentar a tolerância à frustração;
- quebrar padrões disfuncionais de interação entre o jovem e figuras de autoridade, substituindo ciclos de provocação-punição por comunicação clara de expectativas e consequências;
- reforçar comportamentos pró-sociais e de cooperação por meio de elogios, recompensas ou incentivos tangíveis, enquanto se aplicam consequências negativas consistentes (mas não abusivas) para comportamentos inaceitáveis; e
- restabelecer a autoestima e reduzir a culpabilização excessiva, tanto no jovem (que muitas vezes também sofre com sentimentos de inadequação) quanto nos pais (que podem sentir-se culpados ou fracassados).
Medidas de Segurança e Contenção de Crises
Em situações de agressividade grave onde haja risco iminente para a integridade física (do próprio adolescente ou de terceiros), o clínico deve orientar os pais quanto a medidas de segurança – por exemplo, retirar objetos potencialmente perigosos do alcance, treinar para reconhecer sinais de escalada e procurar ajuda de emergência se necessário. Planos de crise podem ser delineados (incluindo contactos de emergência, quando accionar autoridades ou serviço de urgência psiquiátrica). Em raros casos extremos, o internamento breve em unidade de crise pode ser considerado para controlar a situação e ajustar a medicação, mas isso normalmente aplica-se a contextos psiquiátricos hospitalares e não em consulta.
Terapêutica Farmacológica
A medicação não é a intervenção principal para comportamentos de oposição e agressividade, mas pode ter um papel adjuvante importante em casos selecionados. As normas internacionais (por exemplo, o guia NICE do Reino Unido) desaconselham o uso de fármacos de forma rotineira no controlo de perturbações do comportamento em crianças e adolescentes. A farmacoterapia deve ser considerada caso a caso, sobretudo quando existem comorbilidades ou sintomas alvo específicos que sejam tratáveis médicamente. Alguns princípios de orientação:
Tratar comorbilidades psiquiátricas identificadas
Se, no processo diagnóstico, for confirmada uma condição com indicação de tratamento farmacológico (p.ex., depressão moderada-grave, transtorno de ansiedade incapacitante, PHDA significativo), deve-se iniciar a terapêutica apropriada para essa condição. O controlo dessas comorbilidades pode atenuar substancialmente os comportamentos agressivos. Em particular, como referido, a presença de PHDA justifica uso de psicoestimulantes (metilfenidato, lisdexanfetamina, etc.), que são considerados tratamento de primeira linha no PHDA e têm efeito benéfico também na redução de impulsividade e oposição. As diretrizes canadianas, por exemplo, dão forte recomendação ao uso de estimulantes em crianças/adolescentes com PHDA e comportamentos opositores/agressivos, dada a evidência de melhoria nestes sintomas comportamentais com o tratamento do PHDA. Outras medicações para PHDA, como a atomoxetina ou os agonistas alfa-2 adrenérgicos (guanfacina de liberação prolongada, clonidina) podem ser considerados em casos específicos – estas obtiveram recomendações “condicionais positivas” em diretrizes, significando que podem ajudar em alguns casos de oposição/agressividade com PHDA como comorbilidade.
Agressividade severa e explosiva
Quando a agressividade assume proporções muito graves – por exemplo, violência física perigosa, ataques de fúria incontroláveis frequentes – e não houve resposta adequada às intervenções psicossociais, pode-se ponderar um tratamento farmacológico sintomático de curto prazo. De acordo com o NICE, nestas situações é aceitável considerar um antipsicótico atípico como a risperidona, após ter sido optimizado o controlo de quaisquer comorbilidades (e.g. PHDA). A risperidona, em doses baixas a moderadas, demonstrou em estudos randomizados reduzir a agressividade e comportamento disruptivo em crianças e adolescentes com perturbações de comportamento. Todavia, deve ser usada com prudência: é um tratamento adjuvante e temporário, revisitando frequentemente a necessidade da sua continuidade, devido aos potenciais efeitos adversos (ganho de peso, alterações metabólicas, sintomas extrapiramidais, elevação da prolactina, entre outros). O clínico deve monitorizar parâmetros metabólicos e neurológicos durante o seu uso. Em consulta, caso não seja pedopsiquiatra, o clínico deve encaminhar a um colega especialista (pedopsiquiatria) antes de iniciar medicação antipsicótica.
Outras opções farmacológicas
Para casos específicos, outras medicações podem ser cogitadas. Por exemplo, se for diagnosticada uma perturbação do humor com irritabilidade grave (como depressão major com agressividade ou um transtorno bipolar), o uso de estabilizadores do humor ou antidepressivos adequados à idade pode melhorar o quadro global. Há estudos limitados que suportam o uso de valproato de sódio em jovens com comportamento agressivo impulsivo (alguns trials mostraram redução de impulsividade e agressão em adolescentes com ODD/CD e humor instável), mas devido ao perfil de efeitos colaterais do valproato (hepatotoxicidade, risco teratogénico, etc.), essa opção deve ser reservada a situações bem selecionadas e acompanhada de perto por especialista. Antipsicóticos alternativos (p.ex. aripiprazol) têm sido usados off-label para agressividade em contexto de perturbações do neurodesenvolvimento ou comportamentais, porém as evidências são menos robustas e os riscos também existem. Importante frisar que não há aprovação formal da FDA (ou EMA, na Europa) de nenhuma medicação especificamente para PDO ou PC – todo o uso é baseado na extrapolação de tratamentos de sintomas ou condições associadas. Assim, a decisão medicamentosa deve ser cuidadosamente ponderada, envolvendo os pais (ou o jovem, se maior de idade) numa discussão informada sobre risco-benefício. Em qualquer caso, a medicação nunca deve ser usada isoladamente: deve complementar as intervenções psicossociais, e não substituí-las.
Prognóstico e Seguimento
O curso dos transtornos de comportamento na juventude depende de múltiplos factores, incluindo gravidade inicial, presença de comorbilidades, contextos familiar e social, e aderência ao tratamento. De modo geral, a PDO de início na infância pode evoluir favoravelmente com intervenções precoces – de fato, tratamentos baseados em treino parental breve na infância demonstram efeitos de grande magnitude, sugerindo que grande parte das crianças com comportamentos opositores melhora significativamente quando a família é orientada adequadamente. Na adolescência, quando os padrões comportamentais já estão mais enraizados, a mudança pode exigir um esforço mais prolongado, mas ainda assim é possível obter melhoria substancial. Com uma abordagem consistente, muitos adolescentes conseguem reduzir sua agressividade, aprender estratégias alternativas de lidar com conflitos e retomar trajetórias saudáveis de desenvolvimento. Famílias que participam ativamente do tratamento reportam diminuição do stress e melhor comunicação com seus filhos ao longo do tempo.
Entretanto, é importante manter um seguimento regular desses pacientes mesmo após melhora inicial. A adolescência é um período de contínua mudança; novas dificuldades (por exemplo, transição para a vida adulta jovem, maior autonomia, novos relacionamentos) podem emergir e testar os progressos obtidos. O clínico no consultório deve agendar consultas de acompanhamento para reforçar as estratégias aprendidas, orientar em novos desafios e assegurar que eventuais recaídas nos comportamentos problema sejam abordadas prontamente. Quando o adolescente atinge a maioridade, pode ser necessário encaminhar para serviços de adultos (por ex., se persistirem problemas de impulsividade ou se evoluiu para transtorno de personalidade anti-social, embora este diagnóstico só seja formalizado a partir dos 18 anos).
O prognóstico varia: uma parte dos jovens com PDO não tratada pode evoluir para Perturbação do Comportamento e, nos casos mais graves, um subgrupo destes pode manifestar comportamentos anti-sociais na vida adulta (inclusive condutas delinquentes ou criminalidade) se nenhuma intervenção for feita. Por outro lado, a maior parte dos casos beneficia de tratamento – meta-análises mostram reduções fiáveis nos sintomas de oposição e agressividade com intervenções baseadas em evidência. Factores prognósticos negativos incluem início muito precoce dos problemas (child-onset conduct disorder), presença de traços de insensibilidade emocional marcados, contexto familiar muito adverso não modificável, e fracasso escolar acentuado. Nestes casos, as estratégias precisam de ser ainda mais intensivas e abrangentes, envolvendo protecção social, apoio educativo e eventualmente intervenções inovadoras (como programas de mentoria por pares mais velhos, intervenção comunitária, etc.).
Em conclusão, a orientação clínica para a agressividade e a oposição na adolescência requer:
- uma avaliação diagnóstica cuidadosa e abrangente (considerando dimensões psicopatológicas e contextuais),
- um plano terapêutico centrado em intervenções psicossociais multimodais (treino parental, psicoterapia cognitivo-comportamental, terapia familiar, envolvimento escolar),
- uso criterioso de terapêutica farmacológica adjuvante apenas quando indicada por comorbilidades ou gravidade dos sintomas, seguindo as evidências mais recentes.
No contexto de uma consulta, o médico deve actuar não só como clínico que diagnostica e trata, mas também como coordenador de cuidados, encaminhando para outros profissionais (psicólogos, terapeutas familiares, pedopsiquiatras) conforme necessário e acompanhando de perto a evolução.
Com os conhecimentos actuais e uma actuação consistente, é possível ajudar o adolescente a redireccionar o seu desenvolvimento para um percurso mais adaptativo, garantindo-lhe uma melhor qualidade de vida presente e futura, bem como aliviar o sofrimento familiar associado.
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