Desde o nascimento até à adolescência, a nutrição desempenha um papel fundamental no crescimento saudável das crianças.
Os especialistas recomendam o aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida – o leite materno fornece todos os nutrientes e a proteção necessários nesse período. A partir dos 6 meses, inicia-se gradualmente a introdução de alimentos sólidos, mantendo-se a amamentação como complemento até pelos menos aos 2 anos de idade. Esta diversificação alimentar deve ser lenta e paciente: oferecer novos alimentos um de cada vez, permitindo que o bebé se habitue a diferentes sabores e texturas. É normal que inicialmente rejeite alguns alimentos; estudos indicam que podem ser necessárias 5 a 12 exposições até que o bebé aceite um novo sabor.
Conforme a criança cresce, o objetivo é construir hábitos alimentares equilibrados. Uma dieta infantil saudável deve incluir variedade de legumes, frutas, cereais integrais e proteínas magras (carnes magras, peixe, ovos, leguminosas), limitando os açúcares e produtos processados. Dar preferência a alimentos frescos e naturais em vez de alimentos industrializados ajuda a prevenir problemas como obesidade e cáries. Em Portugal, o excesso de peso infantil é um problema sério: dados recentes mostram que cerca de 31,9% das crianças portuguesas têm excesso de peso, incluindo 13,5% com obesidade – aproximadamente uma em cada três crianças. Este cenário alerta para a importância de promover desde cedo bons hábitos alimentares e estilos de vida ativos.
Uma alimentação equilibrada na infância é fundamental para um crescimento saudável e para prevenir problemas como a obesidade infantil, anemia e outras deficiências nutricionais e, sobretudo, para desenvolver aquisições gustativas saudáveis. Os primeiros anos de vida de uma criança são uma janela de ouro para moldar hábitos alimentares saudáveis. Nessa fase, os pequenos estão a descobrir sabores e texturas, e o que aprenderem sobre comida irá influenciar as suas preferências pelo resto da vida. Por isso, vale a pena investir em estratégias positivas para incentivar uma alimentação equilibrada desde cedo – evitando guerras à mesa e dramatismos desnecessários.
No consultório, valorizamos não apenas tratar doenças, mas também orientar os pais a criar desde cedo bons hábitos alimentares nos seus filhos. Sabemos que pode ser um desafio – muitas crianças fazem birra para comer legumes ou querem apenas aquele mesmo alimento favorito – mas com paciência e consistência é possível formar um paladar variado e equilibrado. Aqui estão algumas dicas práticas para formar bons hábitos alimentares em família e garantir uma relação positiva com a comida:
Envolva as crianças na alimentação, na preparação das refeições e torne tudo divertido
Leve o seu filho às compras e deixe-o ajudar a escolher frutas e legumes. Sempre que possível, chame os miúdos para ajudar nas tarefas na cozinha de forma divertida e segura como lavar legumes, mexer a massa do bolo, montar a salada no prato (por exemplo, colocando cenouras baby, tomates cherry, fazendo “caras” com os alimentos no prato). Quando a criança participa no processo, ela sente-se mais encorajada a provar o que preparou. Use também a criatividade: conte histórias sobre os “superpoderes” dos alimentos (a cenoura que faz os olhos fortes, o espinafre do Popeye que dá força) – isso torna a aprendizagem sobre nutrição mais lúdica e acessível. Cozinhar junto torna-os mais interessados e curiosos sobre os alimentos, aumentando a probabilidade de aceitarem novos sabores. Além disso, aprendem sobre a origem dos ingredientes e ganham orgulho em comer algo que ajudaram a fazer. Desde os 2-3 anos já podem ter pequenas tarefas (ex.: colher de pau para misturar, escolher folhas de alface). Essa participação também cria memórias positivas em torno da comida saudável, lançando bases para bons hábitos no futuro.
Ofereça variedade de alimentos desde cedo, repetidamente, sem forçar
É normal a criança torcer o nariz para certos vegetais ou frutas à primeira (ou quinta) tentativa. Mas não desista! Continue a oferecer esses alimentos de formas diferentes (cozidos, crus, em puré, em sopa, misturados num arroz colorido, etc.), sem obrigar nem brigar. A evidência mostra que, às vezes, uma criança precisa experimentar um alimento novo 10 ou mais vezes em dias distintos para começar a aceitá-lo – portanto, paciência. O truque é repetição e variedade, mantendo o ambiente tranquilo: se ela hoje não quis brócolos, tudo bem, tente de novo daqui a uns dias combinado com outro legume. Nunca force a comer “até ao fim” quando ela diz que está satisfeita, nem use comida como punição ou recompensa (evitar frases do tipo “Se não comeres os espinafres, não tens sobremesa”). É importante não forçar a criança a comer à força. Pressioná-la ou repreendê-la severamente por não querer determinado alimento tende a ser contraproducente – pode associar as refeições a stress e resistência. Em vez disso, mantenha a calma e ofereça novamente aquele alimento dias depois. Reforce sempre os comportamentos positivos: elogie quando a criança experimenta algo novo ou come verduras, pois a atenção positiva incentiva a repetição do bom comportamento. Celebre as pequenas descobertas de paladar.
Respeite os sinais de fome e saciedade da criança
Cada criança tem o seu apetite e isso pode variar no dia a dia. Ofereça porções adequadas à idade e permita que a criança coma de acordo com a sua fome – não insista para “limpar o prato” se ela já demonstrou estar satisfeita. Obrigar a comer além do apetite pode gerar aversão a certos alimentos ou hábitos alimentares desregulados. Por outro lado, estabeleça horários regulares para as refeições e evite “petiscar” o tempo todo fora desses horários, pois isso atrapalha a percepção natural de fome/saciedade.
Tenha horários regulares e faça refeições em família
Criar rotina nas refeições ajuda a regular o apetite da criança e evita petiscar a toda hora. Estabeleça horários fixos para pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar, adequados à idade (crianças pequenas geralmente precisam de 1-2 lanches saudáveis entre as refeições principais). Sempre que puder, coma junto com os seus filhos à mesa – as refeições em família são uma oportunidade de convivência e de modelo. Mesmo que a criança coma na creche/almoço escolar, mantenha ao menos o jantar em conjunto. Desliguem a televisão e conversem sobre o dia; isso torna a refeição agradável, associa a comida a momentos positivos e cria memórias. Crianças que crescem com o hábito de se sentar à mesa com a família tendem a alimentar-se melhor e a ter menos risco de desenvolver distúrbios alimentares no futuro.
Dê o exemplo através das suas escolhas
Os pais são os “heróis” dos miúdos – logo, as crianças aprendem observando o que os adultos comem. Não adianta exigir que o filho coma legumes enquanto os adultos não os tocam no prato. Sempre que possível, faça refeições em família e mostre ao seu filho que você também come verduras, saladas e variados alimentos saudáveis com prazer. Desligue a televisão e outros ecrãs durante as refeições e use esse tempo para conversar em família. Um ambiente tranquilo e positivo à mesa ajuda a criança a associar a alimentação a algo bom. Tente incluir no seu próprio prato os alimentos que quer que ele coma e mostre apreço por eles (“Hmmm, esta cenoura está deliciosa!”). Se a criança vê que os pais gostam de frutas em vez de bolos, ou que a salada e a sopa fazem parte normal do almoço, ela internalizará isso como um padrão. Claro, pode haver resistência (afinal, um chocolate é mais tentador do que um brócolo) – mas se em casa não houver refrigerantes e guloseimas todos os dias, a criança habitua-se ao que é oferecido. Disponibilize opções nutritivas e limite a presença de “porcarias”: por exemplo, tenha sempre fruta lavada e cortada à mão, iogurte natural com pedaços de fruta como sobremesa, palitos de cenoura para petiscar enquanto o jantar não fica pronto, etc. Quando sair para comer fora ou em festinhas, não proíba a criança de comer um doce ou um fritura – mas explique que são “comida de festa”, para consumir ocasionalmente.
Siga as orientações dos especialistas para cada idade
Informe-se com o pediatra ou nutricionista sobre a introdução alimentar do bebé e cuidados específicos. Por exemplo, as recomendações atuais dizem não adicionar sal ou açúcar na alimentação do bebé durante todo o primeiro ano de vida. O paladar do bebé é neutro – ele não sente falta de sal na sopa ou açúcar na papa, e adicioná-los pode predispor a preferências exageradas por salgado/doce no futuro. Após 1 ano, o uso de sal deve ser mínimo e o açúcar continua desaconselhado (a criança já pode comer praticamente de tudo, desde que seja comida caseira, natural, com pouco sal e temperos frescos). Também não se deve dar mel antes do 1º ano (risco de botulismo) e evitar sumos industrializados e refrigerantes nos primeiros anos. Evite alimentos processados e açucarados no dia a dia: Bolachas recheadas, refrigerantes, snacks salgados e doces industrializados possuem muito açúcar, sal e gorduras pouco saudáveis. Deixe estes itens para ocasiões muito pontuais. Em casa, dê preferência a comida caseira: frutas para o lanche, água ou sumos naturais em vez de refrigerantes, iogurtes naturais com pedaços de fruta em vez de sobremesas açucaradas. Assim, a criança habitua-se a sabores menos artificiais e reduz o risco de problemas de saúde ligados à má alimentação (como cáries e excesso de peso). Em suma: quanto mais simples e natural for a alimentação do bebé/criança, melhor. Aposte em legumes, cereais, frutas, carnes/peixes e lacticínios adequados à idade, em preparações caseiras. Se tiver dúvidas, consulte fontes confiáveis como o Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS/DGS), que disponibiliza materiais com linguagem acessível sobre nutrição infantil.
Cada família e cada criança são únicas – nem tudo funcionará de imediato, e está tudo bem! O importante é manter uma atitude consistente e amorosa em relação à comida. Evite usar alimentos como recompensa ou castigo (por exemplo, “se comer os brócolos ganha sobremesa”), pois isso cria associações emocionais pouco saudáveis com a alimentação. Em vez disso, elogie as novas conquistas do seu filho à mesa (“Que bom, experimentaste o peixe!”) e tenha paciência nos dias mais difíceis. Com o tempo, os bons hábitos formados agora trarão benefícios para toda a vida, desde um metabolismo mais saudável até uma relação positiva com a comida.
Por fim, lembre-se de manter uma atitude relaxada e positiva em relação à comida. Evite fazer da hora da refeição um campo de batalha. Se a criança está numa fase “esquisita” (só quer macarrão ou recusa-se a experimentar coisas novas), não entre em pânico – continue a oferecer outras opções no prato, sem pressionar, e elogie quando ela der uma trinca num alimento diferente, mesmo que não coma tudo. Criar um ambiente sem stress à mesa é meio caminho andado para que ela autoregule o apetite e aprenda a ouvir os sinais de fome e saciedade do próprio corpo. Cultivar hábitos saudáveis na infância exige perseverança, mas os frutos colhidos – uma criança bem nutrida, sem carências ou excessos, e com uma relação equilibrada com a comida – compensam qualquer esforço. Esses hábitos serão fundamentais para a saúde ao longo da vida. Comer bem deve ser um hábito de prazer, não uma luta diária. Com paciência, consistência e bom exemplo dos pais, mesmo as crianças mais seletivas podem aprender a desfrutar de alimentos saudáveis.
E lembre-se: o pediatra e o nutricionista estão à disposição para orientar em caso de dúvidas sobre dieta, suplementações necessárias ou desafios específicos (como alergias alimentares, seletividade extrema, picky eaters, etc.). Juntos, podemos tornar a alimentação uma experiência de prazer e nutritiva para as crianças e sobretudo para toda a família.
Categorias
Recentes
Tosse e Dificuldade Respiratória em Pediatria
Observar sintomas, manter ambiente seguro e procurar avaliação médica rápida é crucial para prevenir complicações e proteger a saúde respiratória das crianças
Febre infantil: quando se preocupar e como agir
Monitorizar os sintomas, garantir hidratação e procurar orientação médica quando necessário ajuda a cuidar da saúde da criança com segurança